Determinantes Sociais de Tuberculose em Teresina: um problema negligenciado

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Última atualização em Domingo, 24 de Março de 2019, 16h17

Uma doença silenciosa habita a periferia de Teresina. A tuberculose mata 1,3 milhões por ano e atinge oito milhões de pessoas no mundo. Na capital, os números assustam. De 2001 a 2014 foram notificados quase 400 casos por ano. O Ministério da Saúde disponibiliza um trabalho nos três níveis de atenção básica para prevenção, controle e tratamento da doença. Para entender como ocorre o processo saúde/doença da tuberculose na cidade, conversamos com o Prof. Dr. Viriato Campelo, Diretor do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Piauí (UFPI).


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 Prof. Dr. Viriato Campelo, Coordenador do Programa de Mestrado Ciências e Saúde da Universidade Federal do Piauí (UFPI)

“A tuberculose é uma doença infecciosa, de caráter crônico, que é causada por uma bactéria chamada mycobacterium tuberculosis. Diferente das outras bactérias, como por exemplo, staphylococcus, streptococcus, – que são bactérias que causam doenças agudas, porque são produtoras de toxinas, – a mycobacterium tuberculosis é fruto de uma reação imunológica, ou seja, uma reação entre o sistema imunológico e a presença dessa bactéria. Ela é intracelular – fica dentro das células, especificamente dentro dos macrófagos – e desenvolve um processo de imunidade, de hipersensibilidade. Do resultado disso é que vem a doença”, explica o Prof. Dr. Viriato Campelo.

De acordo com o médico, há um grande número de pessoas contaminadas com a enfermidade na capital, que permanece em estado latente, sem sintomas. No Brasil são registrados cerca de 70 mil casos de tuberculose por ano. Em Teresina, de 2005 a 2007, foram notificados 951 casos novos de tuberculose, com média de 317 casos por ano, ficando entre as maiores médias nacionais da doença na época. Segundo o Prof. Dr. Campelo, “Teresina está envelhecendo e agora os adultos começaram a ter tuberculose, que era uma doença de pessoas de 20 a 40 anos”. O professor acrescenta que, “boa parte da população tem um mecanismo de defesa voltado para se proteger contra a tuberculose, mas não só isso, todas as pessoas em Teresina são vacinadas contra a doença. Quando nascem recebem uma vacina chamada BCG”. A inoculação deveria perdurar até os 20 anos, o que não é observado nos casos da cidade. De 2001 a 2014, das pessoas que tiveram tuberculose, 14 morreram.

Em suas pesquisas, Dr. Campelo verificou que na capital piauiense há áreas “quentes”, que representam as mais populosas de tuberculosos, dentre elas, o Centro de Teresina. A doença migrou da zona norte para os bairros Saci e Itararé quando o sistema habitacional se esgotou nos anos 1970, conforme a situação social das pessoas contaminadas. O médico afirma que 65% dos tuberculosos são analfabetos. “Têm, às vezes, no máximo três anos de estudo. São pessoas pobres, normalmente dois terços são de homens com pouca escolaridade, também entre casados e solteiros, e de baixa renda. Eles estão nos bairros onde têm estas circunstâncias. A tuberculose é uma doença com características e determinantes sociais muito fortes”, comenta.

Na cidade existem 60 unidades de saúde voltadas para a identificação, cadastro, tratamento e acompanhamento supervisionado dos tuberculosos, fomentadas a partir de orientações do Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Saúde do Estado e Fundação Municipal de Saúde (FMS). Elas são compostas, principalmente, por médicos, assistentes sociais, enfermeiros e nutricionistas, que dão suporte terapêutico, nutricional e realizam campanhas para conscientização sobre a tuberculose e outras enfermidades. O Hospital Universitário (HU-UFPI), junto à FMS, oferece serviços de identificação e tratamento da doença na Unidade de Vigilância e Saúde (UVS-HU), setor chefiado pela enfermeira Me. Laís Carvalho de Sá. “Todos os pacientes internados são visitados pela equipe de vigilância e toda a equipe, também de assistência, já está treinada para quando identificar um paciente tossindo, possamos fazer o necessário acompanhamento”, afirma. O hospital recebe pacientes de Teresina e outras cidades do interior do Estado, realizando atendimento ambulatorial e cirúrgico de média a alta complexidade.

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Chefe da UAC-HU, Dr. José Couras Filho

No HU-UFPI, a Unidade de Análises Clínicas (UAC-HU) fica responsável pela coleta e análise de exames. De acordo com o chefe da UAC-HU, Dr. José Couras Filho, hoje o hospital dispõe da Baciloscopia, Cultura e Teste Rápido Molecular (TRM) para tuberculose, em parceria com o Laboratório Central de Saúde Pública do Piauí (LACEM-PI) e FMS. Laís Sá afirma que a Baciloscopia é demorada e não tão pontual quanto o TRM, porque esta “vai depender de uma pessoa para visualizar a lâmina e encontrar se há ou não o bacilo”. O TRM revela o diagnóstico da doença em duas horas, enquanto o da cultura consiste de 60 a 90 dias.

SINTOMAS E CUIDADOS

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Enfermeira Laís Sá

Os sintomas da tuberculose pulmonar são marcados por tosse produtiva por mais de três semanas, febre baixa vespertina e diminuição da atividade física, que pode se apresentar como fraqueza. Apenas o tuberculoso pulmonar transmite a doença, cujo processo acontece por meio do ar. O indivíduo infectado passa a ser portador da enfermidade, podendo manifestá-la da mesma forma ou desenvolver outro tipo de tuberculose. A enfermeira Laís Sá afirma que a tuberculose tem transmissão por aerossóis: partículas muito pequenas, que são eliminadas quando se fala, espirra e tosse. Elas ficam suspensas no ar por longos períodos e alcançam longas distâncias. E alerta que “é importante que a pessoa ao tossir tenha o que chamamos de etiqueta respiratória. Todos nós devemos colocar a mão, um lenço, para que esses aerossóis não se espalhem no ar, porque se eu estiver com tuberculose, vou contaminar outra pessoa e assim sucessivamente”, explica.

Dr. José Filho complementa que “o bacilífero (aquele que expele o bacilo) é capaz de contaminar de 10 a 15 pessoas que estejam em seu ciclo de convivência”. Daí a importância do diagnóstico precoce e início de tratamento, que reduz a transmissão da doença nos primeiros 20 dias. Dr. Campelo aponta para a relevância da determinação das áreas de transmissão da doença e da continuidade do tratamento, pois o abandono pode significar o retorno dos sintomas e de sua transmissibilidade. “Temos que trabalhar e não perder este paciente. Saber onde é que eles estão, através de um psicólogo, de um assistente social, nutricionista, enfermeiro, médico ou de todos os profissionais da área da saúde. Nós temos que procurar fazer com que esse paciente seja bem aceito entre nós, e que ele possa ter sucesso. E o sucesso passa por medicamento. Não se trata tuberculose que não seja por antibiótico”, pontua.

A enfermeira Laís Sá destaca quais são os componentes da medicação e o tempo de uso. “A droga padrão, RIPE, é composta por quatro antibióticos: rifopsina, izoniazida, pirazinamida e etambutol. O tratamento é iniciado mediante exame positivo, com duração de seis meses. Quando ele resolve o problema, está numa situação estável de saúde e é dada a alta, sendo transferido para a atenção básica”.

A chefe da UVS-HU também fala sobre a prevenção da doença após a alta. “A saúde da família vai fazer a avaliação de todos os familiares com os exames de Baciloscopia e Raio X. Não há necessidade de cuidado com relação a copo ou talher, porque isso gera um preconceito, infelizmente. Quando se fala em tuberculoso, todo mundo já fica com medo, achando que a doença pode ser transmitida por compartilhamento de objetos pessoais, mas isso não existe. Também alertamos: ‘você vai ficar ótimo com três meses, mas tem que continuar o tratamento’. Instruímos para que o paciente não durma com ninguém no quarto. Se ele for, que apenas abra a janela para ter uma circulação do ar e evitar o ar condicionado. Então, basicamente é vida normal. Trata-se de uma mycobactéria, que possui tratamento e cura”.

DOENÇA NEGLIGENCIADA

A tuberculose ainda é uma das maiores doenças negligenciadas do país e do mundo. Um grande exemplo está na indústria farmacêutica, que não produz nova fórmula de medicamentos para o tratamento da enfermidade desde o século passado. É um absurdo, eu considero isso um descaso com a população mais pobre do mundo”, destaca o Dr. Campelo sobre o assunto. “Outro estigma que existe: todo mundo acha que a tuberculose é uma doença de negro. Não é. A tuberculose é uma doença mais severa nos brancos, mas as pessoas negras ou digamos assim, as pessoas menos favorecidas moram em que condições? Moram em conjuntos habitacionais que a casa, se a pessoa tossir, tá dentro da outra casa. Não tem espaço, não tem ventilação. Eles são os mais acometidos, mas a doença é muito mais severa nos brancos”, diz o médico. “É uma doença negligenciada do ponto de vista mundial. Agora, no início desse século é que a OMS decretou uma emergência global e houve um fundo financeiro pra melhorar isso. Foi por conta desse fundo financeiro que se admitiu o tratamento supervisionado de curta duração, que nós chamamos de DOTS (Tratamento Diretamente Observado). Com isso houve uma queda significativa do número de doentes e do número de mortes. Então, se não tivesse havido uma total negligência, acredito que essa doença faria parte da nossa sociedade, mas não no nível que existe”, afirma.

O Prof. Dr. Viriato Campelo complementa, ainda, que há uma preocupação não só com tuberculose e outras doenças, que são negligenciadas, como por exemplo, a hanseníase, leishmaniose visceral, etc. “Não existe doença de pobre e doença de rico. Isso é uma dualidade que se criou. Porque essas pessoas transitam, principalmente, no mundo atual, com muito mais intensidade. Não só de um país para o outro, mas no interior das cidades. É preciso acabar com esses conceitos que não funcionam mais, que é essa coisa da segregação, por exemplo, de pobre e rico. Não, as doenças não têm fronteiras, nem fronteiras administrativas e muito menos fronteiras de ordens pessoais”, finaliza.