Pesquisador da UFPI escreve capítulo sobre paleontologia e colonialismo no Atlas do Patrimônio Latino-americano da Unesco

Pesquisador da UFPI, Juan Cisneros

O professor do Curso de Arqueologia e Conservação de Arte Rupestre, da Universidade Federal Piauí (UFPI), Juan Cisneros, foi um dos 38 autores de 13 países a colaborar com a construção do Atlas do Patrimônio Latino-americano da Unesco, lançado neste mês de dezembro em Paris-França. A publicação reúne diferentes manifestações da região, como práticas culturais, saberes ancestrais, vínculos com a biodiversidade e modos de vida em transformação, a partir de reflexões trazidas por áreas como arqueologia, história, antropologia, medicina tradicional, paleontologia, entre outras.

O pesquisador da UFPI escreveu o capítulo “Patrimonio paleontológico y colonialismo”, em que aborda a necessidade de proteção e conservação do patrimônio paleontológico da América Latina. Ao longo do texto, Juan Cisneros destaca a importância histórica dos fósseis como objetos culturais e sua relevância para a compreensão da vida na Terra. “Os fósseis não são algo tão distante da gente. Na verdade, isso sempre esteve associado à nossa história”, disse. 


Único sítio do mundo com pegadas de dinossauro em associação com arte rupestre, em Sousa-PB, estudo citado no Atlas pelo pesquisador Cisneros - Foto: Divulgação Iphan*

No texto, o pesquisador cita exemplos para reforçar essa importância, como uma pesquisa, de 2024, que aponta interação entre povos indígenas e pegadas de dinossauros no município de Sousa, na Paraíba. De acordo com o estudo, antes da chegada dos colonizadores, as comunidades originárias sinalizaram com desenhos a existência das pegadas e as incorporaram ao seu repertório de conhecimento e arte.“Isso é uma reflexão de como a América Latina é muito rica em fósseis, e como sempre foram importantes na história dos nossos povos”, completa Cisneros.

O capítulo traz como tônica um alerta à prática de tráfico de fósseis da América Latina, de onde muitos materiais são extraídos e vendidos ilegalmente no mercado internacional, uma ameaça significativa ao patrimônio paleontológico da região. “Fui designado para falar sobre o patrimônio paleontológico na América Latina e não há como fazer isso sem fazer uma perspectiva histórica e dizer que boa parte desse patrimônio não está aqui com a gente, muito dele está em países europeus. O que é agravado porque o público ainda não percebe o patrimônio paleontológico como algo tão próximo como acontece com objetos que são feitos pelo ser humano”, explica o pesquisador Cisneros.


Museu de Arqueologia e Paleontologia da UFPI. Foto: Arquivo SCS/UFPI 

No texto, o pesquisador defende que a preservação desse rico e diverso patrimônio da América Latina inclui a criação de parques e museus, a promoção da educação e conscientização sobre a importância dos fósseis. “O público tem que conhecer a importância dos fósseis, porque ninguém valoriza o que não conhece. Essa é a primeira frente de batalha contra ameaças à preservação, como o tráfico. Com a existência de museus, estamos dando informações para as pessoas e ,conhecendo, elas se tornam guardiãs do seu patrimônio”, avalia o pesquisador.


Pesquisador da UFPI, Juan Cisneros, atuou em mobilização internacional que resultou em inédita repatriação de fóssil para o Brasil - Foto: Arquivo Pessoal

Nome associado à luta decolonialista na Paleontologia, o pesquisador Juan Cisneros ganhou maior notoriedade ao compor, em 2023, uma campanha de pesquisadores que resultou na restituição e repatriação do fóssil Ubirajara jubatus, contrabandeado há mais de 15 anos de um museu de Santana do Cariri, no Ceará, para um museu na Alemanha.


Militante na luta decolonialista, pesquisador Cisneros participa de mesa-redonda em Paris para discutir tráfico de fósseis - Foto: Arquivo Pessoal/2024

Essa notoriedade fez o pesquisador ser convidado para escrever o capítulo do Atlas. Cisneros vê na publicação uma oportunidade de amplificar o alerta contra o comércio de fósseis, pratica ilegal no Brasil, mas permitida em alguns países como Estados Unidos, por exemplo. “Esse tráfico de fósseis é a maior ameaça ao patrimônio paleontológico do Brasil. Isso acontece em várias partes do País. E o tráfico é uma forma moderna do colonialismo", frisa Cisneros.

O pesquisador Cisneros enfatiza ainda a visibilidade para a UFPI em ter um pesquisador da Instituição colaborando com reflexões que valorizam perspectivas locais para a paleontologia, defendem vertentes decoloniais e representam um bastião pela defesa desse patrimônio.

“A UFPI está à frente das pesquisas no Piauí e nosso estado é muito rico em patrimônio paleontológico. Em 90% do Piauí, é possível encontrar fósseis. Por isso, temos que divulgar o máximo possível esse patrimônio, porque a paleontologia pode impactar positivamente uma comunidade, uma cidade, um estado”, finaliza o pesquisador.

O Atlas - Apresentada na Unesco, em Paris, e publicada em espanhol, a publicação reúne 29 verbetes que propõem uma compreensão ampla, crítica e georreferenciada dos patrimônios da América Latina. A publicação foi organizada por Rodrigo Christofoletti, docente da Universidade Federal de Juiz de Fora, em parceria com Yoselin Rodríguez (Unesco-Peru). A publicação se estrutura em cinco entradas temáticas: memórias e monumentos; identidades em movimento; espaços e paisagens; desafios contemporâneos; e redes de cooperação patrimonial.

Confira o Atlas do Patrimônio Latino-americano da Unesco.