Sessão de debate: Tela Sociológica Remota Homem com H

O “DESBUM” DE NEY MATOGROSSO ENTRE OS “DEVASSOS NO PARAÍSO”

        

           Nos “bastidores do Brasil” televisivo, “o comportamento andrógino” de Ney Matogrosso provocou controvertidos posicionamentos. Na “vocação histórica para dissimular” dos brasileiros, a provocação de um refrão musical por ele cantado: “o que a gente faz... é por debaixo do pano, pra ninguém saber” (TREVISAN, 2000, p.29). Letras históricas na “contraluz”. “Não vim para esclarecer nada. O que eu puder confundir, eu confundo”. Fala de Ney Matogrosso, datada de 1983, e usada como epígrafe em “a arte de ser ambígua”, parte de obra literária sobre “a homossexualidade no Brasil, da colônia à atualidade”. No processo histórico, “duas gerações da MPB se comunicam na ambiguidade”. Ao lado das imagens de Cazuza e Cássia Eller, Ney Matogrosso é fotografado como “a grande matriz para mais de uma geração de ambíguos”. “Anos 70: eclode o desbum guei”. Fenômeno detectado “em três núcleos deflagradores”: Caetano Veloso, Dzi Croquetes e Ney Matogrosso.
          “Homem? Mulher? Viado?” Será que ele é? Bicho, ele assume ser. Perguntas que acompanharam a vida de Ney Matogrosso, “a mítica figura” que, em 1973, despontou no cenário musical brasileiro com os “Secos & Molhados”. Um artista recebido com “perplexidade”, na sua “postura de afronta sexual” e atrevimento, em performances encenadas com “seus balangandãs, sua nudez, sua desmunhecação e requebros”. Alvo de agressões, insultos, xingamentos e vaias lançadas pelos incomodados com a sua “estética glitter” e seus rebolados frenéticos. Na sua singularidade vocal, atuava com “voz de contralto”, “feminina”, “inconfundível”, em “um raro registro de contratenor, sem qualquer falsete”. 
          Em LP de 1979, Ney ousava cantar o amor “encantado” por um “estranho e encantador rapaz”, na versão de Caetano Veloso para “Nature boy” (Eden Ahbez), uma das “canções do amor de iguais”.  Atrevimento artístico com impactos relacionados à “mudança de comportamento no Brasil” e “seu significado na transformação dos costumes”. A arte extrapola o seu campo e mexe com a ordem social coercitiva, repressora, estigmatizante e rotuladora. Um canto torto, cortante, emitido por um provocador de estranhamentos. Em “Bandido corazón”, composição de Rita Lee, Ney canta: “Eu já sou um cara meio estranho, alguém me disse isso uma vez”. Tonaliza o intérprete do grupo responsável pelo lançamento de um “manifesto homossexual” fonográfico, no contexto político de uma ditadura militar. O balanço da pélvis do camaleônico cantor, incomodou os censores. Som libertário do “primeiro LP brasileiro de saída do armário”, o gravado pelos Secos & Molhados.

TREVISAN, João Silvério. Devassos no paraíso: a homossexualidade no Brasil, da colônia à atualidade. Rio de Janeiro: Record, 2000.